Revista
AFETOS & SEXUALIDADE
DEFCON poder
Dr. Humberto Santos – Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P.
O Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., doravante designado de INR, integra a administração indireta do Estado, prosseguindo as atribuições do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), sob superintendência e tutela da Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, por competência delegada pela respetiva Ministra, de acordo com o Despacho n.º 892/2020, de 20 de janeiro, tendo por missão assegurar o planeamento, execução e coordenação das políticas nacionais destinadas a promover os direitos das pessoas com deficiência.
O INR, rege-se pelas disposições normativas que lhe são aplicáveis, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 31/2012, de 9 de fevereiro.
Portugal assinou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Opcional a 30de março de 2007, e ratificou-os a 23 de setembro de 2009, tendo-se comprometido, de acordo com o artigo 25º – Saúde, a tomar as medidas apropriadas para garantir o acesso às pessoas com deficiência aos serviços de saúde, nomeadamente providenciar-lhes a mesma gama, qualidade e padrão de serviços e programas de saúde gratuitos ou a preços acessíveis iguais aos prestados às demais, incluindo na área da saúde sexual e reprodutiva e programas de saúde pública dirigidas à população em geral.
A interseção entre género, deficiência e assistência à saúde é uma das questões cada vez mais emergentes, nomeadamente as relativas à conceção, gestação e maternidade, com profissionais da saúde ainda a repetirem discursos eugenistas, capacitistas e discriminatórios em relação às mulheres com deficiência e aos seus direitos reprodutivos, geradores de situações de descriminação e violência.
No âmbito da sua missão e das políticas nacionais, tem o Instituto Nacional para a Reabilitação vindo a desenvolver formação desde a década de 90, com maior incidência desde 2012, na temática da “Diversidade da sexualidade e dos afetos”, em parceira com técnicos do Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian (CRPCCG), de Lisboa. Mais recentemente, entre 2015 e 2019 realizaram-se 12 ações de formação, que abrangeram 234 participantes, sobretudo dirigida a técnicos de ONGPD’s. Esta formação muito contribui para a desconstrução de mitos e crenças sobre a sexualidade das pessoas com deficiência, bem como proporcionando informação e conhecimento sobre técnicas de empoderamento sobre os seus direitos sexuais e reprodutivos.
A persistência de mitos e crenças sobre a sexualidade e a deficiência reproduzem relações de dominação e discriminação das pessoas sem deficiência sobre as pessoas com deficiência e continuam a incidir sobre:
– as pessoas com deficiência serem assexuadas, não tendo sentimentos, pensamentos e necessidades sexuais, ou no seu contrário, como sendo hipersexuadas, não controlando e exacerbando os seus desejos. Ora, o mito de que as pessoas com deficiência são assexuadas, assenta na crença de que as pessoas com deficiência são dependentes e infantis e portanto, não seriam capazes de usufruir de uma vida sexual adulta. Relativamente à hipersexualidade, esta assenta mais na expressão pública de comportamentos sexuais, do que na frequência com que estes ocorrem, principalmente entre pessoas com deficiência intelectual, não havendo relação entre sexualidade exagerada e as questões orgânicas da deficiência. O interesse por sexo é variável entre pessoas com deficiência e entre pessoas sem deficiência.
– as pessoas com deficiência são pouco atraentes, indesejáveis e incapazes de despertar desejo ou conquistar um parceiro amoroso e manter um vinculo estável de relacionamento amoroso e sexual. Ainda persiste a divulgação de mensagens ideológicas relacionadas ao sexo como um direito exclusivo de pessoas jovens e bonitas, com um corpo perfeito, magro, esbelto, com boa saúde… se bem que a possibilidade de encontrar um parceiro sexual e amoroso pareça depender de corresponder a modelos de estética e de desempenho, tal não impede que as pessoas com deficiência se possa relacionar amorosamente, de modo satisfatório e gratificante. Este mito sobre a pouca atratividade das pessoas com deficiência, é também muitas vezes percecionado erradamente como um fator de proteção ao abuso sexual, quando na realidade atua como fator de risco acrescido.
– as pessoas com deficiência não conseguem usufruir o sexo “normal” espontâneo, que envolve penetração seguida de orgasmo, por isso, são pessoas que têm sempre disfunções sexuais relativas ao desejo, à excitação e ao orgasmo. Outro conceito normativo comum é a ideia de que o sexo é uma atividade espontânea, algo que decorre naturalmente como amor verdadeiro. Tal também afeta todos os que buscam a satisfação sexual a partir de modelos idealizados e mediáticos, havendo a dificuldade em reconhecer que o sexo inclui uma aprendizagem.
– a reprodução para pessoas com deficiência é sempre problemática, porque são estéreis, ou geram filhos com deficiência e ou não têm condições de cuidar deles. Efetivamente, em muitos casos a deficiência pode afetar a vida reprodutiva, reduzindo a fertilidade ou com problemas correlacionados, mas a infertilidade não torna nenhum ser humanos assexuados e nem impede a possibilidade de manter vínculos afetivos e sexuais satisfatórios de prazer. Existem muitos casais de pessoas sem deficiência que também têm dificuldades para ter filhos, e podem, assim como as pessoas com deficiência, optar por não ter filhos ou por recorrer à adoção, se desejarem exercer a maternidade e a paternidade.
Também as famílias são alvo dos preconceitos sociais que sofrem as pessoas com deficiência e se tornam importantes mediadores para apoiar o membro da família com deficiência a enfrentar desafios e dificuldades.
Torna-se igualmente oportuno referir a dimensão institucional, em que o controlo e vigilância existentes podem impedir a privacidade e o facto desta não existir, contribui para a ideia de que o sexo vai ser inexistente, até perigoso para estas pessoas.
Mas mais importante que identificar alguns mitos, importa promover uma reflexão constante sobre as ideias que dificultam as pessoas com deficiência de terem igual oportunidade de usufruírem de uma experiência gratificante da própria sexualidade, de forma a contribuir para um horizonte de mudanças efetivas na sociedade. Situações que ainda se verificam de esterilização a jovens com deficiência, ou de interrupções de gravidez, forçadas e não entendidas ou consentidas requerem igualmente uma reflexão ética à luz dos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência.
De referir ainda, o Guia Prático: Os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal –Guia Prático: Os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal , com um capítulo dedicado aos “Afetos e sexualidade”, enunciando um conjunto de questões atuais e pertinentes nesta temática.
Relativamente ao MAVI – Modelo de Apoio à Vida Independente, é ainda um modelo experimental, que se encontra atualmente em fase de projeto-piloto, e assenta na prestação de assistência pessoal a pessoas com deficiência ou incapacidade com caráter permanente.
As atividades previstas para apoio em assistência pessoal estão definidas no artigo 6º do Decreto-Lei nº 129/2017, de 9 de outubro, não estando contemplado o apoio em atividades de caráter sexual.
A nível internacional temos conhecimento da existência de várias associações europeias congregadas, como por exemplo, a European Platform Sexual Assistance (EPSEAS) – www.epseas.eu , plataforma de organizações sem fins lucrativos que atuam na assistência sexual a pessoas com deficiência e idosos.
Os parceiros desta plataforma são:
De acordo com a EPSEAS, na definição de assistência sexual, cada assistente sexual cumpre o quadro legal do país onde exerce a sua atividade, neste caso Bélgica, França, Itália, Espanha e Suíça.
Assim, para que a figura do assistente sexual seja integrada no MAVI ou em qualquer outro projeto, será necessário um enquadramento legal, a nível nacional, que até à data não existe.
Urge assim, compreender a deficiência como condição da diversidade humana, desmistificando a ideia de incapacidade que premeia a vida sexual e reprodutiva das pessoas com deficiência.